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Händel

  • Writer: Carlos Alencar
    Carlos Alencar
  • Oct 1
  • 11 min read

Updated: Oct 4

Introdução:

Händel figura em um seletíssimo rol de grandes mestres que foram e são consagrados desde os princípios do período de prática comum até a contemporaneidade. Com uma obra extensa, rica em significado e extremamente abrangente, Händel foi ídolo de alguns dos maiores compositores da nossa tradição, dentre eles Beethoven. Juntamente com a obra de Bach (personalidade com a qual sua vida traça inúmeros paralelos), a obra de Händel estrutura muito daquilo que conhecemos como sendo o barroco musical e é, portanto, um componente essencial no repertório de todo pianista.

Descoberta e Formação:

No dia 23 de fevereiro de 1685, foi recebido ao mundo Georg Friedrich Händel. Nascido em uma família que havia conquistado relativo status e fortuna no contexto da pequena cidade de Halle, seu pai e homônimo tinha ambiciosos planos para o pequeno Georg; ele haveria de estudar direito. Assim sendo, quando descobriu-se que o pequeno se interessava pela música, o pai da família tratou de reprimir tal desejo em favor de seu plano original. No entanto, como se pode supor tendo em vista a natureza desta enciclopédia, o pequeno foi capaz de secretamente nutrir sua paixão pela música, nas frequentes ocasiões de ausência paterna; fazendo uso de uma espineta, instrumento de teclas, semelhante ao cravo. A certeza, nesse ponto, é um objeto de difícil alcance, mas, em um cômputo geral, é aceito o fato de que, assim como alguns grandes mestres da música, Händel foi, em grande medida, um autodidata durante seus primeiros anos.


Foi aos 7 anos que o juveníssimo Händel deu as primeiras mostras públicas de seu desenvolvimento técnico e paixão pela música. Durante uma visita ao Duque de Weissenfels, para quem seu pai trabalhava, o pequeno teve a oportunidade de tocar no órgão de uma capela na presença do supramencionado Duque. Enorme foi o espanto dos presentes ao, de súbito, se verem diante do que à época se chamava "um prodígio". A partir desse ponto a música se oficializa na vida do menino que, por insistência do Duque, começou a ter aulas formais dessa bela arte, estudando teoria, contraponto, órgão, violino e sendo introduzido a outros instrumentos, como o oboé. O mestre encarregado da pesada tarefa de guiar o pequeno gênio foi Friedrich Wilhelm Zachow, um organista local de Halle, cuja importância para a história da música se deve principalmente por sua docência e por sua influência no estilo de Händel. Sob a tutela de Zachow, o pequeno Händel cresceu, se tornando um músico absurdamente competente e, essencialmente, completo.

Hamburgo:

No ano de 1697, acometeu a família de Händel o mesmo infortúnio que, dois anos antes, acometera a família de Bach: a morte do pai-provedor. Assim como era o costume à época, Händel teve que arcar com parte do sustento da família, tarefa que o impediu de dedicar-se integralmente à música. Quatro anos depois, em 1701, Händel se matricula no curso de direito, onde permanece até 1703, fazendo simultaneamente a faculdade e se dedicando à sua formação musical. Foi durante esse período que ele exerceu sua primeira profissão na área da música, trabalhando como organista em uma igreja da sua cidade natal, Halle. Desse momento de sua vida emergem algumas histórias de caráter incerto, cujas principais fontes podem ser traçadas às primeiras biografias desse grande mestre; tendo em vista sua possível inveracidade dos relatos, optei por disponibilizar o material na bibliografia de aprofundamento, onde interessados poderão julgar por si.


O fato é que, em 1703, quando já estava próximo de finalizar seu período como candidato ao cargo de organista e, enfim, recebê-lo formalmente, ele decide mudar de ares. Muda-se para Hamburgo, à época um dos grandes centros musicais da Alemanha, com forte ênfase na ópera. Nesse vibrante centro cultural, não demorou muito para que o talento jovem encontrasse trabalho, conquistou o posto de violinista na orquestra da ópera local. Sua técnica e habilidades refinadas se fizeram notar. Durante esse seu trabalho, diz-se que, certa vez, na ausência do maestro da orquestra, ele mesmo assumiu a regência do grupo e seu desempenho foi tão esplêndido que lhe foi concedido o cargo; ele tinha 18 anos.


Händel permaneceu na liderança do grupo por 3 anos, nesse intervalo de tempo ele teve a oportunidade de escrever a sua primeira ópera: Almira. Pouco depois da estreia de Almira, inspirado pelo seu relativo sucesso, Händel escreve, às pressas, uma segunda ópera, denominada Nero. A pressa, como de costume, se mostrou nêmesis da perfeição, fazendo dessa segunda estreia um fracasso de primeiríssima categoria. Pouco tempo depois Händel foi demitido de seu cargo. A causa exata é incerta, mas sabe-se que o grupo passava por dificuldades financeiras e é bem possível que essa escolha tenha sido feita tendo em mente não a música, mas as finanças. Dois anos depois, em 1707, Händel viaja para a Itália, onde permanecerá por 3 anos.

Itália:

A Itália pode, em muitos aspectos, ser considerada o seio da música barroca e a essa grande mãe, Händel teve de ir prestar seus serviços e homenagens, como depois fizeram Mozart, Liszt, Debussy e tantos outros. Chegou em Roma ainda no início de 1707, um momento conturbado para os romanos. Desde o início do século, o Papa, naquele tempo Clemente XI, havia proibido a ópera, por considerá-la imoral e por alguns outros fatores políticos. A solução encontrada pelos músicos foi transferir a linguagem e expressividade operística para o território do sacro, fazendo do profano sagrado. Popularizaram-se os oratórios.


Durante esses anos, apesar da proibição da ópera, Roma era um centro cultural pujante, centro no qual grandes músicos como Domenico Scarlatti, Corelli, Pasquini; todos mestres com quem Händel teve a honra de interagir e vice-versa. Durante esses anos que viveu em território ítalo, o compositor teve a oportunidade de cultivar sua arte, sendo influenciado e também influenciando aquelas mentes que o cercavam. Não só no campo da composição, mas também da performance sua arte pôde florir; dessa época se destacam os concertos que ele realizou na cidade de Veneza, cidade do eterno pai do concerto barroco: Vivaldi, à época vivo e habitando-a.


As três obras de maior destaque compostas por Händel na Itália são o oratório La Resurrezione, a cantata sacra Il Trionfo del Tempo e del Disinganno e a ópera Agrippina, um grande sucesso que ofuscou aquele conquistado por Almira quando o jovem compositor morava ainda em Hamburgo. O sucesso na Itália tinha tudo para se concretizar e sua carreira musical parecia enfim que atingiria um patamar elevado, com seu nome já concretizado; não obstante, como de costume com Händel, quando se atinge ou se está perto de um patamar, é chegado a hora de mudar de ares. Deixou para trás Roma e seus caminhos.

Viagens à Inglaterra:

Sua saída da Itália não foi injustificada. Durante seu período por lá o seu nome crescera não só regionalmente, mas também continentalmente e, por isso, surgiu na Alemanha uma oportunidade única: a de trabalhar como mestre de capela para a corte de Georg Ludwig, Eleitor do Eleitorado de Hanôver. Frente a tal prospectiva, Händel optou por deixar a Itália em busca da estabilidade e enorme status que o trabalho como mestre de capela de tal corte lhe traria. No entanto, ainda em 1710, mal tendo se estabelecido novamente em sua terra, Händel, já empregado, pede uma licença para viajar para a Inglaterra, onde mais oportunidades de ouro surgiam e mais portas se abriam.


O grande músico chegou em Londres ainda em 1710 e já no começo do ano seguinte recebeu a encomenda para uma ópera, de tal encomenda surge a ópera Rinaldo, um sucesso instantâneo. Findado o tempo que lhe concedia a licença, teve de voltar para Hanôver. Em 1712 pediu uma segunda licença para ir a Londres, tendo por objetivo repetir o sucesso conquistado por Rinaldo, mas as óperas de sua segunda viagem não obtiveram tanto sucesso; dessa viagem o sucesso se deu no campo das conexões, tendo recebido suas primeiras encomendas por parte da realeza e fazendo diversas apresentações no órgão da Catedral de São Paulo.


As incessantes viagens a Londres e o nada profissional extrapolamento de todos os limites estabelecidos pela licença tornaram a relação entre Händel e seu empregador, Georg Ludwig, ásperas e acres. No entanto, por curiosa ironia do destino ou cabuloso golpe da sorte, em 1714, morre a Rainha Ana da Grã-Bretanha, última monarca da Casa de Stuart. A princípio, nada se extrairia disso. Com a mudança de monarca talvez surgisse a oportunidade para novos cargos na corte ou talvez diminuíssem-se os investimentos na música, mas Händel simplesmente não podia esperar o que, de fato, se deu. Em meio a diversas e estranhas regras do grandioso jogo de sucessão, a coroa calhou de cair justamente na cabeça do empregador de Händel: no ano de 1714, ascende ao trono da Grã-Bretanha, Georg Ludwig. Mais popularmente conhecido como Rei George Primeiro.

Conciliação e Falências:

Eventualmente, a partir da ação conjunta de várias partes, as relações entre Händel e George I puderam ser restabelecidas e o músico trabalhou habilmente para o monarca, compondo-lhe uma variedade de peças e o acompanhando em viagens. Durante algumas dessas viagens, Bach e Händel tentaram, várias vezes, se encontrar, mas havia sempre empecilhos e o encontro dos gigantes nunca chegou a acontecer. Os anos seguintes foram passados compondo, organizando a apresentação de suas óperas e dando aulas para altos membros da realeza, como os filhos do Príncipe de Gales.


Em 1719, por incentivo da nobreza, Händel participou ativamente da criação da Royal Academy of Music, uma companhia de óperas que durou até o ano de 1728, tendo sido derrubada por outras companhias que tinham uma proposta mais popular. Apesar do dissolvimento dessa organização financiada pela nobreza, Händel decidiu abrir uma companhia operística por conta própria em parceria com um empresário; o projeto tinha potencial, mas foi eventualmente frustrado por tramas e disputas da nobreza. Em 1734 tentou criar ainda mais uma companhia, essa com um potencial ainda superior, mas o projeto fracassou. Cada um desses fracassos lhe custavam milhares de libras e, em 1737, Händel faliu. O estresse causado por tais infortúnios e o excesso de trabalho levaram sua saúde a declinar, culminando em um colapso nervoso que resultou em uma paralisia de seu braço direito.


Seguindo as recomendações médicas que lhe foram dadas, foi descansar na cidade de Aquisgrana, famosa por suas águas termais, e teve uma convalescença breve, podendo voltar a compor em pouquíssimo tempo. Antes do final do ano o mestre já estava de volta em Londres. Nessa época estava muito endividado e foi ameaçado de prisão caso não as pagasse. Através de um concerto beneficente organizado por amigos, conseguiu escapar à prisão, dedicando os próximos anos a novos projetos, incluindo alguns grandes oratórios como Israel no Egito, que em seu tempo foram fracassos. Apesar do relativo sucesso de algumas estreias, a situação financeira de Händel ainda era muito difícil e boa parte da nobreza tinha adquirido uma espécie de preconceito contra ele. Por tais razões, ao fim da década de 1730 ele estava mais uma vez próximo da falência.

Triunfos e Anos Finais:

O ano de 1741 veio para mudar a maré de fracassos que Händel enfrentava. Nesse ano, o músico foi convidado a fazer uma turnê de caráter beneficente em Dublin, na Irlanda. A turnê foi um sucesso enorme, à moda daqueles que ele obteve na Itália. É nesse momento em que ele compõe sua mais grandiosa obra e, bem possivelmente, uma das mais grandiosas obras de todo o repertório musical: O Messias; definitivamente o rei dos oratórios. Ao retornar para Londres, em 1743, Händel obteve uma recepção mista, alguns grandes sucessos e alguns gloriosos fracassos.


Depois de aproximadamente dois anos nessa rotina, sua situação voltou a ser crítica. Com a estreia e publicação de seu oratório Judas Maccabaeus, Händel obteve uma pequena fortuna e conseguiu vencer a conspiração planejada pela nobreza, tornando-se um grande ídolo nacional; dessa sua ascensão emergem obras como a imortal Música para os Fogos de Artifício Reais. Com esse sucesso e outros, ele foi capaz de, enfim, obter estabilidade, agora já contando com seus 64 anos de idade e uma bagagem musical que poucos algum dia atingiram.


Começavam a se mostrar os sinais da idade. Acometido pelo mesmo mal que indiretamente levará à morte de Bach, Händel estava se tornando cego e se submeteu a uma cirurgia que tinha por intuito restaurar sua vista. O "oftalmologista" que se propôs a curá-lo foi Sir John Taylor, o mesmo miserável charlatão que pretendera curar Bach. Tal cirurgia só serviu para adiantar o inevitável. Além de não ser curado, após o procedimento Händel se tornou completamente cego do olho esquerdo e parcialmente cego do outro. Com a idade, aquela velha paralisia do braço voltou, dificultando significativamente sua performance musical. Durante os próximos anos teve momentos melhores e piores, mas uma coisa foi unânime: sua mente permanecia afiada e sua memória intocada, o corpo desistia; a alma, não. Com a ajuda de auxiliares, o grande mestre foi capaz de continuar a compor, a revisar velhas composições e a organizar apresentações.


No ano de 1748 sua saúde declinou muito e muito rápido; sua vida pública tinha chegado ao seu fim. Pouco antes de morrer fez uma última aparição, em uma apresentação da joia de sua coroa: O Messias, em 1749. Durante o evento teve uma apsiquia que o pôs inválido; a morte chegou logo depois. Georg Friedrich Händel passou os últimos dias de sua vida na cama; em 13 de abril de 1749 a Europa foi dormir com Händel, no dia 14 acordou sem ele. Esse sumo-mestre da nossa arte recebeu um enterro digno de sua persona, tendo sido enterrado na Abadia de Westminster, ao lado de monarcas e cientistas, em um seleto rol de grandes gênios.

Obras Essenciais:

Prelúdios

Apesar de não serem tão famosos ou grandiosos como os de Bach ou Chopin, os prelúdios de Händel constituem sim um legado musical digno de cultivo e de exposição. Em sua obra, os prelúdios assumem duas principais funções: podem tanto introduzir uma peça multimovimental quanto serem entidades autônomas. Os do primeiro caso estão distribuídos ao longo de diversos gêneros que constituem o seu catálogo, os do segundo caso estão concentrados principalmente entre o HWV 561 e o HWV 576. São em geral peças curtas e não especialmente exigentes, sendo acessíveis e podendo ser rapidamente absorvidas pelo pianista intermediário. Foram escritos, em sua maioria, nas duas primeiras décadas do século XVIII.

Fugas

Cumprindo com o seu papel de compositor para teclas do século XVIII, Händel escreveu, entre 1705 e 1718, algumas fugas. Elas são uma mostra clara de seu domínio completo sobre a polifonia e uma prova viva de sua maestria composicional. Apresentam-se como uma interessante adição ao repertório barroco do jovem pianista e um caminho interessante para aqueles professores interessados em ensinar a arte do contraponto aos seus alunos e que queiram abordar um estilo diferente daquele visto na obra de Bach. Suas fugas são compreendidas entre o HWV 605 e o HWV 612, sendo seis dessas parte de um conjunto de 6 Fugas ou Voluntárias para Órgão ou Cravo.

Suites

De toda a obra para teclas de Händel, essas são, sem dúvida, as que obtiveram o maior destaque. Distribuídas entre o HWV 426 e o HWV 455, as suítes constituem alguns dos pontos mais altos do repertório pianístico desse grande compositor. Estruturadas tradicionalmente no estilo da suite barroca, essas sublimes sucessões de danças encantaram e continuarão a encantar muitas gerações. A mais famosa delas é a Suite em Sol Menor HWV 432, tal fama se deve ao seu sexto movimento, a famosíssima Passacaglia. Sua dificuldade pode variar muito entre movimentos, indo de peças para iniciantes bem avançados até peças profissionais.

Outras Peças

Como de costume, a obra desse grande mestre vai muito além do aqui abordado. Abaixo ficam algumas menções honrosas de conjuntos dignos de nota.


  • Árias: Peças fortemente melódicas, majoritariamente escritas nas décadas de 1710 e 1720, muitas são escritas tendo por base outras obras.


  • Arranjos: Ao longo de sua carreira musical, Händel escreveu uma série de arranjos, sendo quase todos escritos sobre temas de óperas.

Bibliografia de Aprofundamento:

 
 
 

Life without music would be a mistake.
Friedrich Nietzsche, Twilight of the Idols (1889)

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