Beethoven
- Carlos Alencar
- 1 de jun.
- 16 min de leitura
Introdução:
Beethoven se encontra naquela distinta categoria de artistas que surgem apenas algumas vezes na história de cada arte. Amplamente considerado o apogeu da música ocidental, sua obra é sublime e seu legado impera. Ele é a ponte entre o clássico e o romântico, o elo entre o sistemático e o apaixonado. Sua vida, uma história de dor e superação. Sua obra, o maior dos tributos à Humanidade, uma verdadeira e inegável prova de amor à vida.
Infância e Introdução à Música:
Ludwig van Beethoven, filho de Johann van Beethoven, nasceu em meados de dezembro de 1770, foi batizado no dia 17 do mesmo mês, na cidade alemã de Bonn, às margens do rio Reno. Neto do mestre de capela e filho de um dos tenores do coral da corte, Ludwig estava destinado à música, tendo sido introduzido às teclas, às cordas e à teoria desde cedo. Começando pelo cravo por volta dos quatro anos, seguiu para o violino e depois para a viola. Seu pai, Johann, havia sido fortemente impactado pela sensação que o pequeno Mozart causara na Europa alguns anos antes e estava determinado a fazer de seu filho um prodígio de igual brilho.
A criança demonstrou certa aptidão para a música, tornando-se um instrumentista hábil. Entretanto, a habilidade do menino tinha um custo: seu pai era notoriamente violento, obrigando-o a estudar muito além do saudável e punindo-o severamente pelos seus erros, provavelmente baseou-se na educação que recebera de seu próprio pai, homônimo de Ludwig, com quem aprendera música. Respectivamente, em 1774 e 1776, nasceram os dois irmãos de Ludwig que chegaram à vida adulta: Kaspar e Nikolaus.
Quando Beethoven fez sua primeira apresentação pública contava com sete anos de idade; constava no anúncio que tinha seis. O pai frequentemente mentia sobre a verdadeira idade de Ludwig para chamar mais atenção; mais tarde, isso causaria muita confusão a Beethoven, que nunca teve certeza sobre sua idade exata. A apresentação foi feita juntamente com a estreia de outra aluna de Johann, uma jovem contralto. Não há registros sobre como o recital foi recebido pela plateia; no entanto, considerando o curso dos eventos que se seguiram, pode-se supor que, mesmo tendo tocado bem, Beethoven não impressionou; sua fama teria de ser construída aos poucos.
Embora o plano de torná-lo um prodígio não tenha sido abandonado, Johann adotou outra abordagem: faria dele solista de teclado e violinista da corte; dessa forma, o jovem poderia exigir um salário sem mais delongas. Johann fez ainda algumas viagens curtas a cidades próximas para apresentar seu pequeno gênio. O menino acabou tornando-se um sucesso regional, conhecido por iluminar as casas onde tocava. O plano de longo prazo era fazer de Beethoven um mestre de capela, cargo ocupado pelo avô de Ludwig e que o próprio Johann nunca conseguiu alcançar; uma frustração que descontava na família. Johann sabia que as habilidades de seu filho estavam indo além de sua alçada e que, para torná-lo um grande músico, seriam necessários bons professores.
Depois de vasculhar seu círculo musical, Johann encontrou Gilles van den Eeden, que atuava como organista da corte desde o início da década de 1720 e era próximo da família desde que testemunhara o casamento de Johann com Maria Magdalena, mãe de Beethoven, em 1767. O velho Eeden instruiu Beethoven tanto no mundo das teclas quanto no da teoria, ensinando-lhe as bases da harmonia e da improvisação da época, o baixo contínuo. A idade avançada de Eeden, no entanto, tornou sua saúde extremamente frágil, levando Johann a procurar outro professor para Ludwig: Tobias Friedrich Pfeifer.
Com Tobias, Beethoven teve uma experiência pedagógica completamente diferente. O professor tornou-se grande companheiro de bebidas de seu pai, que o levava para beber constantemente. A rotina a que estava acostumado se esvaiu, e as aulas passaram a ocorrer quando Tobias se sentia disposto, o que frequentemente acontecia quando ele e Johann terminavam de beber. Eles voltavam para casa, acordavam Beethoven e o faziam tocar da meia-noite até o raiar do sol. Na mesma época, Beethoven estudou violino e viola com Franz Rovantini, personalidade oposta a Pfeifer; um homem tímido e fervorosamente religioso. Com a mudança de Tobias de Bonn, chegou Christian Gottlob Neefe, o mentor mais importante da primeira formação de Beethoven.
Neefe, Mozart e Perda
Ludwig tinha dez anos quando Christian Neefe tornou-se seu professor. Foi com Neefe que Beethoven foi introduzido à obra de Johann Sebastian Bach. A exposição do jovem músico ao repertório contido em O Cravo Bem Temperado teve ampla influência na sua forma de tocar e, futuramente, na forma como compunha. Foi também com Neefe que Ludwig teve seus primeiros incentivos à composição, atividade que seu pai não incentivara até então. A influência de Neefe em Beethoven vai, diga-se de passagem, além da música; tendo sido ele um dos principais elos entre Beethoven e a filosofia Iluminista. Possivelmente, foi Neefe quem introduziu o jovem a Schiller, poeta cujo poema, muitos anos mais tarde, se tornaria material para a maior das sinfonias de Beethoven, a Nona. Nessa época, Ludwig frequentava a escola, aprendendo francês, latim e aritmética básica; não chegou a ser ensinado a multiplicação e divisão, o que acabou sendo um empecilho na vida adulta.
Publicada em 1782, sua primeira obra comercializada foi um conjunto de variações escritas sobre o tema de uma marcha do compositor Ernst Dressler; a obra não recebeu número de Opus e é atualmente catalogada como WoO 63. Outra publicação desse período que se destaca é o trio de Sonatas "Eleitorais" (WoO 47), escritas em 1783 e dedicadas ao Príncipe-Eleitor Maximilian Friedrich, figura importantíssima para a história de Bonn.
Em 1787, aos dezesseis anos, Beethoven recebeu financiamento da corte para viajar a Viena, então uma das três capitais mundiais da música. Os objetivos da viagem não são claros; no entanto, é provável que tivesse como intuito que Beethoven tivesse aulas e estabelecesse conexões com os grandes músicos da época. Ele chegou lá no dia sete de abril e, pouco depois, foi levado para conhecer Mozart, uma lenda viva. O encontro entre os dois titãs é envolto em lendas e romantismos; o que se sabe de fato é que o jovem Beethoven tocou e improvisou para o mais velho, e que este, provavelmente, não se impressionou. Sendo ele próprio um prodígio e, à época, o maior músico do mundo, era muito difícil surpreendê-lo. Apesar da falta de prova documental, diz-se que, ao fim do encontro, Mozart, que estava extremamente ocupado e prestes a perder o pai, teria dito algo como: "Fiquem de olho nesse daí, algum dia, ele dará ao mundo o que falar". O encontro, inevitavelmente, entrou para a história como uma passagem de bastão. Agravada pela morte de Mozart poucos anos depois, a frase tornou-se uma espécie de profecia.
A viagem, que começara com grandes perspectivas, acabou sendo miseravelmente curta, tendo de terminar em menos de duas semanas, quando Ludwig recebeu uma carta de seu pai informando que sua mãe, já doente há algum tempo, havia piorado. Beethoven viu-se forçado a voltar de Viena para Bonn tão somente para ver sua mãe morrer, tuberculosa e rodeada de médicos incapazes. Como agravante, seu pai afundou no alcoolismo, que caracteriza seus últimos anos. A morte da mãe e o alcoolismo do pai colocaram sobre Beethoven uma carga enorme. Agora, ele era o provedor da família, tendo que sustentá-la financeiramente através de apresentações, aulas particulares e seu novo cargo de violista da orquestra da corte. Os cinco anos seguintes foram passados em Bonn, amadurecendo musicalmente.
Vida em Viena e Testamento de Heiligenstadt:
Em novembro de 1792, Beethoven retornou a Viena sob o pretexto de estudar com alguns grandes mestres, como Haydn, para depois retornar a Bonn como um músico mais completo. A viagem, no entanto, transformou-se em uma mudança definitiva. Bonn havia se tornado demasiado pequena para o grande gênio de Beethoven; era preciso explorar novos ares. Na capital, Ludwig teve a oportunidade de estudar com Joseph Haydn, Albrechtsberger e Antonio Salieri, gigantes da música que deixaram suas marcas em seu estilo composicional.
A década de 1790 foi essencial para a formação e consolidação de Beethoven como músico. Durante esses anos, sua fama cresceu, primeiramente como virtuoso do piano e, em menor medida, como compositor. Essa década viu a estreia de sua primeira sinfonia (Op. 21), a composição de suas onze primeiras sonatas para piano, seu primeiro conjunto de quartetos (Op. 18) e seus dois primeiros concertos para piano (Op. 15; Op. 19). Nesse período, seu sustento vinha principalmente das apresentações e de seus mecenas, como o Príncipe Lichnowsky. Uma fonte secundária de renda eram as composições que vendia para editoras, o problema era que o valor recebido raramente compensava o trabalho, pois o que dava dinheiro eram pequenas peças fáceis ao alcance do público, não as grandes obras. O início do século XIX também foi muito significativo em termos de composições. Em 1801, foram escritas a famosa Sonata em Dó sustenido menor (Op. 27, No. 2), conhecida posteriormente como Sonata "ao Luar", e a renomada Sonata em Ré menor (Op. 31, No. 2), popularmente chamada de "Tempestade". Além disso, o conjunto de Bagatelas (Op. 33), sua segunda sinfonia (Op. 36), seu terceiro concerto para piano (Op. 37) e seu balé As Criaturas de Prometeu também são dessa época.
Com a virada do século, começa a saga mais conhecida da história da música: a surdez de Beethoven, uma dupla condenada à união, não podendo-se citar um sem o outro. Já sentindo sintomas há algum tempo, e tendo tido diversos outros problemas de saúde, Beethoven decidiu consultar um médico sobre sua condição; a medicina da época era pífia e o médico pode, tão somente, identificar a surdez e recomendar-lhe repouso longe da cidade grande. Percebendo a natureza progressiva de seu mal, Ludwig entrou em uma espécie de surto; dessa crise surgiu um dos documentos mais importantes para os historiadores na compreensão de sua vida: o Testamento de Heiligenstadt.
Escrito na vila homônima, em 1802, o documento é um desafio à morte, uma proclamação de vida. O texto se inicia com Beethoven dizendo que injustiçavam-no aqueles que o julgavam misantropo ou teimoso. Ele continua seu relato com uma descrição da trajetória de sua surdez e da dor que lhe causava sofrer, dentre tantos males, justamente aquele mais insuportável para um músico. Ele fala de como, por vezes, pensou em "partir deste mundo", mas que a música o salvou. No documento, ele pede a seus irmãos que não briguem, deixa claro que seus bens pertencem a eles em caso de morte e diz, à sua maneira, que os ama. Entre as outras figuras mencionadas estão o Príncipe Lichnowsky, seu maior mecenas, e o Dr. Schmidt, seu médico. Há também um apêndice escrito no dia seis de outubro, onde Beethoven diz que sai de Heiligenstadt com a audição exatamente como antes e pede à Providência que lhe conceda ao menos um dia de felicidade, pois viver em eterna depressão seria demais para suportar.
Período Heroico e Anos Prolíficos:
Embora o chamado "Período Heroico" seja uma periodização biográfica sem data exata de início, seu retorno de Heiligenstadt pode, em termos práticos, ser considerado como a consolidação dessa nova fase na vida do compositor. Os anos entre 1803 e 1808 foram não somente os mais prolíficos da vida de Beethoven, como também alguns dos anos mais produtivos da história da música ocidental. De volta a Viena, Beethoven começou a trabalhar em um ambicioso projeto que duraria cerca de dois anos e que entraria para o rol das maiores obras de sua vida: a Sinfonia No. 3, "Eroica" (Op. 55). Através dela, seu gênio deixou evidente que havia se libertado da sombra de Mozart, Haydn e Handel; e que estava pronto para ir mais longe, para alcançar um som mais particular, mais profundo: um som mais Beethoven.
Nesses anos, Ludwig ressignificou as velhas formas clássicas, subordinando-as à música. Isso é uma das características-chave de sua obra: a forma se dobra à música, não o contrário. Entre as obras-primas desse período estão: a Sonata "Waldstein" (Op. 53), que trouxe ao mundo um dó maior completamente inovador; a Sonata "Appassionata" (Op. 57), uma das melhores sonatas de todos os tempos; e as primeiras versões de Fidelio, sua única ópera, mais tarde publicada como Op. 72. Também dessa época são três novas sinfonias, além da Eroica: a Sinfonia No. 4 (Op. 60), em 1806; a eternamente clássica Quinta Sinfonia (Op. 67), em 1808; e, por fim, a esplêndida Sinfonia No. 6, "Pastoral" (Op. 68), estreada no mesmo dia que a Quinta, juntamente com a obra menos conhecida Fantasia Coral (Op. 80).
Apesar de musicalmente férteis, esses anos não foram necessariamente fáceis para Beethoven. Sua surdez progrediu rapidamente; em 1814, ele já estava quase completamente surdo. Além disso, embora conseguisse se sustentar financeiramente, não foi sem dificuldade. Em 1806, envolveu-se em uma briga com o Príncipe Lichnowsky, o que lhe custou a perda de seu maior patrocinador; como se não bastasse, as Guerras Napoleônicas (1803-1815) causaram instabilidades gigantescas na economia e política vienense, a inflação saiu de controle, e Beethoven tornou-se mais financeiramente paranoico do que já era. O avanço da surdez o tornou uma pessoa desconfiada de tudo e de todos, acreditando que teria suas composições roubadas e que seria traído; uma desconfiança não totalmente infundada, considerando que tais atitudes eram relativamente comuns na Viena da época.
Outro aspecto digno de nota do Período Heroico são as paixões vividas por Beethoven e seus respectivos fracassos. Uma das dores de sua vida foi nunca ter conseguido se casar, apesar de inúmeras tentativas. A primeira dessas paixões foi Josephine Brunsvik, que conheceu quando dava aulas para duas de suas irmãs; foi uma paixão duradoura, mas que nunca se concretizou porque Beethoven era plebeu e ela, aristocrata. Após a ruptura definitiva com Josephine, veio sua paixão por Therese Malfatti, efêmera mas intensa; é provavelmente para essa senhorita que Ludwig escreveu a famosíssima "Für Elise". Sucedendo à recusa sumária que recebeu de Therese, veio Antonie Brentano, uma mulher casada. As evidências da paixão por Antonie encontram-se em cartas e entradas de seu diário.
Ainda no contexto das paixões, surge outro documento importante na vida de Beethoven: a Carta à Amada Imortal. Escrita em Teplitz na primeira semana de julho de 1812 e dividida em três partes, constitui a materialidade do que se tornou um dos maiores mistérios de sua vida: a verdadeira identidade da destinatária da carta. Existem, naturalmente, diversas candidatas, sendo as três principais as moças mencionadas anteriormente. A importância da carta deve-se ao fato de revelar um Beethoven apaixonado, desesperado e à beira de uma grande desilusão amorosa. Ao final do artigo, há algumas recomendações de leitura sobre o mistério da Amada Imortal; aqui, limitar-me-ei a dizer que a carta foi encontrada postumamente em uma gaveta secreta onde Beethoven guardava coisas que significaram muito em sua vida e que essa paixão também fracassou, levando à crise emocional que o conduziria a seu último período. Depois de 1812, o Período Heroico mostrou sinais mais claros de declínio, mas não sem antes legar-nos um esforço final: após voltar de Teplitz, Beethoven escreveu ainda suas Sinfonias No. 7 e No. 8 (Op. 92; Op. 93).
Período Poético e Novas Fronteiras:
Durante os anos que se seguiram à crise em Teplitz, a produção de Beethoven diminuiu bastante, retomando apenas por volta de 1817, quando já estava completamente surdo e se comunicava por meio de cadernos nos quais seus interlocutores escreviam o que queriam lhe dizer; tinha então 47 anos. Nesse ínterim, perdeu um de seus irmãos, Kaspar, e envolveu-se em uma desgastante batalha judicial pela custódia unilateral de seu sobrinho Karl, que legalmente deveria ter a guarda compartilhada entre Beethoven e sua mãe, Johanna; uma mulher que Ludwig odiava intensamente.
Foi em 1817 que Beethoven começou a escrever sua vigésima nona sonata para piano, a importantíssima Sonata "Hammerklavier" (Op. 106), que se tornaria sua peça mais difícil para piano e uma das mais ambiciosas da história da música. Não apenas é sua sonata mais longa, como o é por uma margem substancial, durando entre 45 e 50 minutos, a depender da interpretação. As sonatas do último período são marcadas por uma expressividade nunca antes imaginada; trata-se de música tridimensional, com camadas que se desdobram umas sobre as outras, um turbilhão de poesia. Não à toa, Beethoven gostava de referir-se a si mesmo como "Poeta dos Sons".
Outras obras destacadas do Período Poético são as 33 Variações sobre uma Valsa de Diabelli (Op. 120), a Missa Solemnis (Op. 123), os Quartetos de Cordas (Op. 127, 130, 131, 132, 135), a Grande Fuga para Quarteto de Cordas (Op. 133) e, por fim e mais importante: a Nona Sinfonia, a mais famosa, popular, icônica e emblemática peça de toda a história da música clássica. O público do último período recebia Beethoven com certa apreensão, suas peças eram consideradas difíceis e subversivas; grande parte dos ouvintes julgava que a surdez de Beethoven havia estragado seu compor e que a estranheza das novas peças advinha da incapacidade do compositor de lidar com seu estado.
Sua saúde nesses anos atacou-o continuamente, tornando seu cotidiano verdadeiramente deplorável. A falta de organização tornava seu ambiente um caos; relatos da época descrevem seus apartamentos como sujos, escuros, repletos de pilhas e pilhas de rascunhos de partituras e garrafas vazias de vinho por todos os lados. Seus problemas de saúde vinham desde a juventude, mas agora agravavam-se com o tempo e tornavam-se cada vez mais insuportáveis.
Meses finais e Morte:
No final do ano de 1826, Beethoven se encontra em uma propriedade rural na região de Gneixendorf, juntamente com seu irmão e sobrinho. O estado de saúde de Ludwig era lastimável: sofria de cirrose hepática em estágio terminal, ascite, icterícia e dores respiratórias. Sendo por natureza impulsivo, estando emocionalmente abalado, devido a uma tentativa de suicídio de Karl e tendo tido uma briga recente com seu irmão, Beethoven toma a decisão que consumaria sua morte; em um impulso de raiva entra em uma carroça aberta e volta para Viena sob a neve e frio do inverno Austríaco.
Relatos indicam que Beethoven chegou à cidade extremamente debilitado, "meio azulado e tremendo". Seus últimos meses foram vividos sob cuidados médicos ineficazes. Durante seu sofrer, o enfermo recebeu alguns presentes que lhe trouxeram grande alegria: um retrato da casa onde nasceu Haydn, que Beethoven muito admirou por ser uma casa simples e humilde onde nasceu um grande homem; uma coletânea de peças de Handel, compositor que Beethoven muitíssimo admirava, considerando-o um dos, se não o maior, dos grandes mestres do passado; e, por fim, um conjunto de garrafas de vinho da região do Reno, sua terra natal.
É possível que nunca saibamos ao certo como se deram os últimos momentos de Beethoven; a versão mais comum, no entanto, é a seguinte: na última semana do grande mestre no mundo, uma grande tempestade surgiu em Viena, escurecendo os dias e enegrecendo mais ainda as noites. Um dia antes de morrer ele acordou e disse "Plaudite, amici, comedia finita est!", que se traduz do latim em algo como "Aplaudam, amigos, a comédia acabou"; a frase era tradicionalmente usada para encerrar peças de teatro da antiguidade, tendo sido usada pelo Imperador Augusto em seu próprio leito de morte. No dia seguinte, 26 de março, Ludwig partiu em meio a tempestade, diz-se que num gesto final, o gigante da arte ergueu-se subitamente, em meio a um surto febril, e lançou o punho em direção aos céus, como se tentando alcançar algo.
Seu funeral foi um dos maiores realizados em Viena para um plebeu. O cortejo fúnebre de 29 de março de 1827 reuniu mais de 20.000 pessoas, incluindo seu aluno Carl Czerny, destinado a se tornar um dos maiores pedagogos do piano; um jovem músico chamado Franz Schubert, que infelizmente se juntaria ao mestre no ano seguinte; e o virtuoso do piano Nepomuk Hummel. O cortejo passou por diversas capelas e pontos importantes da cidade, contando com apresentações musicais em cada parada. Dentre as homenagens, tocou-se o trecho da Marcha Fúnebre de sua Sinfonia "Eroica", trechos do Réquiem de Mozart e uma Marcha Fúnebre de Cherubini. Seus restos mortais foram, anos mais tarde, transferido para o Cemitério Central de Viena; onde, agora, repousam.
Obras Essenciais:
Sonatas
Se O Cravo Bem Temperado, de Bach, é o "Primeiro Testamento" da música, logo, as 32 Sonatas para Piano de Beethoven são o "Novo", assim afirma o mestre Hans von Bülow. Escritas ao longo da vida de Beethoven, as sonatas acompanham as flutuações emocionais do artista, assim como seu desenvolvimento técnico e estilístico. Desde a consolidação de seu Dó Menor profundo com a Sonata "Pathétique" (Op. 13) até a "Revolução dos Trinados" das sonatas do Período Poético, essas peças vão além de demonstrar a evolução de um compositor, elas são, em absoluto, a evolução de uma arte.
Concertos
Enquanto as sonatas eram frequentemente peças íntimas, os concertos tinham caráter ostensivamente público. Compostos inicialmente para demonstrar o virtuosismo pianístico do jovem Beethoven, constituem verdadeiros tesouros musicais para os que buscam desafios técnicos. Assim como as sonatas, acompanham o desenvolvimento do compositor: desde o Concerto para Piano No. 1 (Op. 15), claramente enraizado na tradição clássica e representativo de um Beethoven jovem, até o Concerto para Piano No. 5 "Imperador" (Op. 73), obra madura característica do Período Heroico.
Não existem Concertos para Piano do Período Poético, isso se dá pelo fato de que, tendo em vista que os concertos eram peças promocionais, não faria sentido compô-los em uma fase da vida onde apresentações públicas já não aconteciam. As contribuições de Beethoven para a forma-concerto são diversas, mas a característica principal é que Beethoven elevou os concertos de meras peças exibicionistas à verdadeiros diálogos dramáticos entre solista e orquestra.
Variações
Dando continuidade a revolução iniciada por Bach e sustentada por Mozart, Beethoven levou o gênero ainda mais além, expandindo significativamente os limites do que podia ser um conjunto de variações. Beethoven introduz em suas coletâneas uma maior amplitude tonal, abrangendo diversas tonalidades, por vezes distantes do tema original. Vai além também ao fazer variações de dificuldade tremenda, como seu famoso conjunto de 33 Variações "Diabelli", que não só representam uma fronteira no quesito composicional como também exigem do interprete uma compreensão técnica e expressiva colossal.
Bagatelas
Com as bagatelas encontramos um Beethoven completamente despreocupado com forma, tratam-se de peças livres, majoritariamente curtas. Beethoven escreveu bagatelas tanto no Período Heroico quanto no Poético, tendo publicado três conjuntos: 6 Bagatelas (Op. 33), de 1802; 12 Bagatelas (Op. 119), de 1822; e 6 Bagatelas (Op. 126), em 1824. Ironicamente, sua Bagatela mais famosa não chegou a ser publicada em vida e não foi escrita para tal fim. Sua Bagatela em Lá menor (WoO 59) acabou se tornando sua Bagatela mais popular e uma de suas peças mais conhecidas, a eterna "Für Elise".
Outras Peças
A obra para piano desse grande compositor vai, como de costume, muito além do aqui mencionado. Além desses icônicos conjuntos obrigatórios para o amante da música, quero destacar também algumas peças menores e que, no entanto, são dignas de nota:
Trios com Piano: Tendo escrito cerca de 12 dessas peças, elas se destacam como uma diversão e desafio para músicos interessados em apresentá-las, e representam parte importante do repertório de câmera composto por Beethoven. Sua primeira obra a receber um Opus, diga-se de passagem, foi o Trio para Piano, Violino e Violoncelo (Op. 1).
Canções para Voz e Piano: Alcançando a surpreendente soma de quase 100 peças, as canções de Beethoven são peças airosas, verdadeiramente belas. Ademais, apesar de não serem por si tão conhecidas, influenciaram algumas das mais conhecidas canções desse gênero: as "Lieder" de Schubert.
Bibliografia de Aprofundamento:
BEETHOVEN, Ludwig. Letters 1790-1826 - Volume 1. 2004 . Disponível em: https://www.gutenberg.org/cache/epub/13065/pg13065-images.html. Acesso em: [31/05/2025]
BEETHOVEN, Ludwig. Letters 1790-1826 - Volume 2. 2004. Disponível em: https://www.gutenberg.org/cache/epub/13272/pg13272-images.html. Acesso em: [31/05/2025]
BEETHOVEN-HAUS. Beethoven: a Life in Pictures. Disponível em: https://internet.beethoven.de/biography/picturebiography.html. Acesso em: [31/05/2025]
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BEETHOVEN-HAUS. Chronology Beethoven in Vienna. Disponível em: https://www.beethoven.de/en/g/zeittafel-beethoven-in-wien. Acesso em: [31/05/2025]
DRAKE, K. The Beethoven sonatas and the creative experience. Indiana University Press, 1994.
LOCKWOOD, L. Beethoven: The Music and the Life. W.W. Norton, 2003.
SOLOMON, M. Beethoven. Schirmer Books, 1997.
SWAFFORD, Jan. Beethoven: Angústia e Triunfo, 2017. Tradução de Laura Folgueira. São Paulo: Amarylis.
UNGER, Max; MARTENS, Frederick H. The" Immortal Beloved". The Musical Quarterly, v. 13, n. 2, p. 249-260, 1927. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/pdf/738411.pdf?refreqid=fastly-default%3Ad7a4d3def078474e1ba0d9c71dd2ce7a&ab_segments=&initiator=&acceptTC=1. Acesso em: [31/05/2025]
WALDEN, C. E. Beethoven's " Immortal Beloved": Arguments in Support of the Candidacy of Bettina Brentano. The Beethoven Journal, 17(2), 54-68, 2002.
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