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Debussy

  • Foto do escritor: Carlos Alencar
    Carlos Alencar
  • 1 de jul.
  • 10 min de leitura

Introdução:

Sendo um dos maiores nomes da música francesa, Debussy é um mestre extraordinariamente único em seu caráter, em seu estilo e em sua história. Apesar de ser comumente associado ao seleto grupo do movimento impressionista, o compositor nunca se identificou como tal, preferindo ter sua música vista sob um filtro próprio. Durante sua vida, rompeu com diversos padrões artísticos, entrando em conflito com as autoridades musicais que preferiam conservar a tradição. Ademais, foi um dos músicos mais interconectados de seu tempo, tendo sido influenciado tanto por poetas quanto por artistas plásticos.

Infância, Juventude e o Conservatório de Paris:

Achille-Claude Debussy nasceu no dia 22 de agosto de 1862, na comuna de Saint-Germain-en-Laye, nos arredores de Paris, França. Apesar de vir de uma família não musical, começou aulas de piano aos sete anos de idade com o musicista italiano Jean Cerutti, e não demorou muito para que seu futuro se mostrasse promissor. Seria, no entanto, um evento trágico que faria a conexão entre Debussy e sua primeira grande mentora: no ano de 1871, Manuel-Achille Debussy — seu pai — foi preso por envolvimento na Comuna de Paris. Na prisão, Manuel conheceu um homem cujas conexões conseguiram levar seu filho a Antoinette Maury, uma ex-aluna de Chopin.


Debussy estudou com Madame Maury durante nove meses, ao fim dos quais já tinha se tornado um músico competente o suficiente para ingressar no Conservatório de Paris, contando com dez anos de idade. No Conservatório, ele iniciou seus estudos no curso de composição, onde começou a demonstrar, mais evidentemente, os primeiros sinais de seu descontentamento com a tradição e de seu ímpeto por criar algo único, que seguisse suas próprias regras e que fosse, intrinsecamente, belo. Não demoraria muito tempo para que o pequeno gênio fosse capaz de tais proezas.


Durante seus anos como estudante do Conservatório, Debussy foi agraciado com diversas premiações e honras da instituição. De 1874 a 1876, conseguiu vencer, respectivamente, o terceiro, o segundo e o primeiro lugar em Solfejo. No ano seguinte ao triunfo na categoria de Solfejo, conquistou o segundo lugar do prêmio de piano e ainda tinha muitos prêmios por conquistar. Em suas apresentações, ele já era capaz de tocar peças difíceis, como as baladas de Chopin. Em 1875, por exemplo, recebeu um certificado de mérito por sua interpretação da Balada em Fá menor (Op. 38).


Durante esses anos de sua vida, Debussy conheceu algumas mulheres que foram muito importantes para sua trajetória juvenil. A primeira delas foi Madame Wilson-Pelouze; através dela, ele teve seu primeiro contato com mulheres verdadeiramente ricas, poderosas e cultas. Foi Madame Pelouze quem o introduziu propriamente à obra de Richard Wagner. A segunda dessas mulheres foi a russa Nadezhda von Meck. Por meio de sua conexão com Madame von Meck, ele se tornou mais familiarizado com a obra de Tchaikovsky, de quem Nadezhda era uma grande mecenas. Além disso, nos verões que passou com a família von Meck, Debussy viajou por diversos territórios europeus, fazendo fama por onde passava.


Debussy, agora com 18 anos, começou a trabalhar como assistente de um professor de canto. Dentre as estudantes desse professor, uma se destacou: Marie Vasnier. Quando Claude a conheceu, ela tinha 32 anos, era casada e tinha dois filhos. Apesar de todas as diferenças e empecilhos, surgiu entre os dois uma atração, que não demorou muito para ser cultivada e se elevar ao status de paixão. Dessa paixão proibida, surgiu uma coletânea de Canções para Vasnier, uma pequena coleção de canções que servem como interessante material para a análise do jovem Debussy.


No ano de 1884, Debussy venceu o prestigioso Prix de Rome. O ganhador de tal prêmio era financiado por três anos em uma viagem de estudos à Itália, onde se esperava que o estudante contribuísse enviando novas composições. Para vencer o concurso, Claude teve que se abster de seu estilo próprio de composição e criar algo na linha dos velhos mestres. Apesar de tê-lo feito para conquistar o prêmio, não o fez nas composições que enviou e foi um tanto ingrato com relação ao prêmio, frequentemente retornando a Paris, tanto para estar com Marie quanto para permanecer no ciclo artístico parisiense. Apesar de tê-la negligenciado, a viagem não foi de maneira alguma infrutífera. Durante seu tempo em Roma, Debussy teve a suprema fortuna de conhecer o velho Franz Liszt, já com 75 anos, pouco tempo antes de morrer. Liszt apresentou Debussy ao trabalho de Giovanni Palestrina, um compositor renascentista. Apesar de seus esforços para manter sua relação com Marie, após seu retorno da Itália eles se distanciaram.

Boemia, Influências, Anos de Cão e de Ouro:

Após retornar a Paris, ainda seriam precisos dois anos para que ele saísse da casa de seus pais; a saída tardia devia-se majoritariamente às dificuldades financeiras e outras inseguranças. Nessa época, ele tinha como inspiração para sua música as obras poéticas de Paul Verlaine e Charles Baudelaire. Outra influência desse período tem suas raízes no Oriente: durante a Exposição Universal de Paris, Debussy presenciou a exótica performance de um grupo de gamelão, originário da Indonésia. A partir desse ponto, o compositor começou a explorar com mais afinco as escalas, harmonias e ritmos da música oriental.


Ao longo de sua vida, Debussy teve uma quantidade descomunal de amantes; no entanto, algumas delas se destacam. Sua relação com Gabrielle Dupont foi particularmente duradoura, somando um total de oito anos. Durante esse tempo, apesar de ser musicalmente produtivo, era substancialmente pobre e boêmio, passando boa parte de suas horas tocando pelas regiões menos nobres de Paris e precisando frequentemente de empréstimos de seus amigos. Foi durante esse seu tempo boêmio que ele conheceu o compositor francês Erik Satie, outra figura essencial na construção da identidade da música francesa do início do século XX. Sua relação com Gabrielle Dupont o manteria, até certo ponto, na linha, ajudando-o a se manter financeiramente viável e emocionalmente equilibrado.


Apesar de ter sido capaz de impedir que Debussy se destruísse por completo, Dupont não foi capaz de impedir o espírito desvairado do coração de Claude de se apaixonar mais uma vez. Em janeiro de 1894, Debussy anunciou a intenção de casar-se com Thérèse Roger, uma cantora da aristocracia. Ela era uma moça respeitável com quem, diferentemente de Gabrielle Dupont, se poderia casar sem ficar mal falado na cidade. Apesar de sua tentativa de enfim se estabelecer como um homem casado, tornou-se público o fato de que ele já vivia com Dupont há muitos anos, e o assunto todo virou um escândalo de primeira categoria, fazendo-o perder amigos, oportunidades, Thérèse e também Dupont. Os anos que se seguiram a esses acontecimentos foram de extrema dificuldade, chegando a um ponto em que Debussy talvez tenha considerado desistir de tudo.


Sua separação definitiva de Dupont, em 1898, foi um cruel golpe do destino que o levaria a tomar uma decisão apressada. Ainda emocionalmente abalado pela ruptura, em outubro do ano seguinte, Debussy casou-se com Lilly Texier, uma moça respeitável e bonita que, no entanto, não possuía conhecimento musical nem era muito instruída. Sua vida, a partir desse ponto, mudaria substancialmente, em uma direção mais confortável e próspera. Em 1902, sua ópera Pelléas et Mélisande (L. 88) — escrita sobre o libreto de Maurice Maeterlinck — foi estreada em Paris, conferindo-lhe grande fama e reconhecimento como um dos maiores gênios musicais de seu tempo. No ano anterior, ele tornara-se um crítico musical para a revista La Revue Blanche; escrevia suas críticas sob o pseudônimo Monsieur Croche. Em seus escritos, ele exaltava a vanguarda e via com maus olhos a tradição. Trabalhar como crítico o ajudou a complementar sua renda.


É com a chegada do século XX que Debussy começa a se dedicar mais intensamente às teclas. Entre 1903 e 1915, completou e publicou seus mais famosos trabalhos para piano solo: a Suite Bergamasque (L. 75), Estampes (L. 100), Children’s Corner (L. 113), seus livros de Préludes (L. 117 e L. 123) e, por fim, seus Études (L. 136). Foi também no começo do século que Debussy começou a se aproximar de Maurice Ravel, outro grande revolucionário da música do período moderno. Apesar do boom criativo e da relativa estabilidade alcançada, não demorou muito para que a tendência infiel de Debussy entrasse em seu caminho novamente.


Em 1904, Debussy conheceu uma certa senhora chamada Emma Bardac, uma cantora da mesma idade que ele. Ela era judia, casada com um banqueiro de posses e já tinha dois filhos. Por ser muito mais instruída do que Lilly e por ser musicalmente treinada, ela e Claude tinham muito sobre o que conversar. Não demorou muito para que Claude começasse a passar mais tempo com Bardac do que o apropriado. Em um ato de desespero, Lilly deu um tiro em seu próprio peito após Debussy e Emma retornarem de uma longa viagem romântica. A tentativa de suicídio, quase bem-sucedida, arruinou a reputação de Debussy diante do público e perante seus amigos. O novo escândalo arruinaria algumas estreias, dificultaria apresentações públicas e o tornaria persona non grata para boa parte da sociedade por certo tempo.


Apesar dos contratempos, Claude, afinal de contas, conseguiu um divórcio e se mudou para uma enorme mansão no centro de Paris, onde morou com Emma, que também se divorciou. Para pagar pelos novos custos de vida, fizeram-se necessários esforços. Considerando as dificuldades que tinha para conseguir regentes para suas obras, Debussy decidiu tornar-se ele próprio o maestro, conseguindo grande sucesso desse modo. Antes do fim de 1905, nasceu a filha do casal, Claude-Emma. Em 1908, o casal veio a se casar oficialmente. Nesse tempo, Debussy conquistou um contrato com seu editor Durand, o que lhe rendeu uma boa fonte de renda anual em troca de suas obras.


Debussy aproxima-se agora de seus anos finais. Para poder sustentar-se, fez diversas viagens como maestro, apresentando-se em lugares como Londres, Viena, Amsterdã, Haia, Budapeste, Roma, Turim, Moscou e São Petersburgo. Em sua casa, viveram por um bom tempo os dois filhos de Emma, com quem Debussy era afetuoso e mantinha boas relações. A maior alegria dessa época era sua filha, Claude-Emma, mais conhecida pelo apelido Chouchou. Em 1910, seu casamento ameaçou ruir após Emma descobrir um possível novo caso do marido; as coisas, no entanto, puseram-se em ordem, e ele nunca mais saiu da linha. Foi também no ano de 1910 que os primeiros sinais da doença que lhe ceifaria a vida apareceram.

Primeira Guerra Mundial e Câncer:

O final da vida de Debussy não foi nada fácil. Diversos projetos foram iniciados e, no entanto, nunca vieram a se concretizar. Em julho de 1914, Debussy fez sua última apresentação em Londres; a chegada da Primeira Guerra Mundial e sua saúde debilitada não o permitiriam mais esse tipo de excursão. Com a descoberta da natureza de seu câncer colorretal, Debussy tornou-se muito deprimido, com frequência dizendo ter perdido o sentido e só viver na medida de seu amor por Chouchou. Em dezembro de 1915, Debussy passou por uma cirurgia para tentar curá-lo; a cirurgia foi seguida por diversos tratamentos com altas doses de radiação e de opioides.


Depois de dois meses de luta, Debussy, enfim, desistiu do tratamento. Sua última apresentação pública foi em setembro de 1917, na qual apresentou ao público sua última composição, a Sonata para Piano e Violino (L. 140). Achille-Claude Debussy faleceu, em virtude do câncer, no dia 25 de março de 1918, durante um duradouro e torturante bombardeio. Devido aos ataques, uma cerimônia pública não pôde ser realizada, e seu enterro teve de ser improvisado. Debussy foi um mestre ousado, que não se conformou com a tradição, que não se conformou com a estética. Desde suas peças mais sublimes até suas peças mais dissonantes e indigestas, Debussy escreveu com genialidade e confiança, abrindo caminho para diversos compositores modernos.

Obras Essenciais:

Préludes

Debussy escreveu um total de 24 Préludes individuais para piano solo. Para um ouvido clássico, a maior parte dos prelúdios — assim como a maior parte da obra de Debussy — soa como algo muito estranho e sem nexo, sendo as exceções alguns poucos deles. Dentro do contexto da música moderna, não obstante, eles se destacam como uma coletânea digna de renome e repleta de inovações. A coleção está dividida em dois livros de prelúdios, um de 1910 (L. 117) e um de 1913 (L. 123). O mais famoso desses prelúdios é, sem dúvida, La fille aux cheveux de lin, o oitavo prelúdio do primeiro livro.

Études L. 136

Trata-se de sua última grande coleção para piano. Ainda mais estranhos que seus prelúdios, os estudos apresentam um caráter moderno deveras preponderante. Foram escritos 12 études, sendo divididos igualmente entre dois livros, ambos contidos no L. 136. Em alguns dos estudos, mais evidentemente no primeiro deles, Debussy caçoa de grandes mestres do passado que fizeram seu nome através da escrita de estudos — nesse caso, Czerny. Apesar de oferecerem um treinamento técnico interessante, os prelúdios de Debussy são pouco musicais no sentido tradicional e se reservam aos pianistas mais avançados.

Suite Bergamasque L. 75

Escrita entre 1890 e 1905, trata-se de uma obra esplêndida, destacando-se como um dos pontos mais altos de seu repertório. Usando essa tradicionalíssima forma, Debussy foi capaz de unir sua paixão pelo inusitado e por harmonias excêntricas com a arte que lhe legaram os séculos. Trata-se de um trabalho rico em texturas inovadoras, passando por momentos lentos em pianíssimo e também por trechos rápidos de relativa intensidade e vivacidade. Seu movimento mais famoso é, sem dúvida, o terceiro, Clair de Lune, amplamente utilizado em filmes, séries e outras manifestações culturais. Tanto o nome da suite, Bergamasque, quanto o nome Clair de Lune advêm de um poema de Paul Verlaine, homônimo do terceiro movimento.


A peça é dividida em quatro movimentos: Prélude, Menuet, Clair de Lune, Passepied. Assim sendo, a Suite Bergamasque se inicia com o natural prelúdio, seguido de um — também natural — minueto. O interessante chega no terceiro movimento. Aqui, Debussy se desvia do esperado da forma clássica ou barroca da suite ao escrever uma parte que não se trata de uma dança, mas de uma peça de caráter livre, uma espécie de fantasia em forma ternária sobre as mais sublimes melodias. Para concluir a suite, Debussy retorna ao modelo esperado, finalizando a sequência com a Passepied, uma dança tradicional francesa.

Arabesques L. 66

Escritas pelo jovem Debussy, essas pequenas peças contrastam significativamente em seu caráter e qualidade. O mais famoso deles é o primeiro, mais calmo e flutuante. O segundo, em contraste, é mais agitado, rítmico e motivicamente repetitivo. O título Arabesque refere-se aos tradicionais ornamentos da arte islâmica. São peças de fácil acesso ao pianista intermediário, sendo o primeiro deles um clássico do estudante de Debussy.

Rêverie L. 68

Rêverie foi composta em 1890, à moda de um impromptu ou de uma fantasia. Nela, encontram-se indícios claros de um Debussy em formação, um Debussy explorando harmonias inovadoras que evocam o característico sentimento de suspensão presente em suas mais belas obras. A peça dura em torno de cinco minutos, dependendo do intérprete, e não apresenta nenhum desafio técnico excessivamente complexo; trata-se de uma peça acessível, assim como os supracitados Arabesques.

Outras Peças

Como sempre, a obra do compositor se estende bem além do acima mencionado. Aqui estão algumas das obras dignas de menção:


  • Images: Pequenas suítes para piano solo em três movimentos. Debussy escreveu três conjuntos de Images: L. 110, L. 111 e o Images Oubliées (L. 87).


  • Estampes (L. 100): Similar às Images em forma; uma suíte em três movimentos. Evoca a música oriental em diversos pontos. Finalizadas em 1903.


  • Children's Corner (L. 113): Assim como ambas as obras supracitadas, uma suíte; dessa vez, com seis movimentos. Foi dedicada e inspirada por sua filha, Chouchou.

Galeria:


Bibliografia de Aprofundamento:


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2 comentários

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Marcos de Brum Lopes
Marcos de Brum Lopes
02 de jul.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Excelente! Aprendi muito. Já ouvi várias obras dele, mas pouco sabia da vida desse gênio!

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nikolasocha09
01 de jul.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

muito bacana! 💗💗

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A vida sem a música seria um erro.
Friedrich Nietzsche, Crepúsculo dos Ídolos (1889)

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